Por Hugo Souza
23/02/2010
É certo que, sobre questões políticas e sobretudo em tempos pré-eleitorais, a matemática da qual se valem os grandes veículos de comunicação do Brasil obedece a variáveis muito mais numerosas do que poderia supor nossa vã álgebra, incluindo a candidatura ou pré-candidatura favorita das famílias que controlam os jornais e emissoras de massa. É certo também que, independentemente de eventuais malabarismos com números e dados diversos, o timing para a publicação de determinados dados no alto das capas dos jornalões pode ser definido menos pelo interesse público – ou outros interesses identificados como “nobres” – e mais pela configuração corrente do xadrez político. É o jogo jogado.
Entretanto, no caso das reportagens do jornal O Globo sobre os “supersalários” da “elite do funcionalismo” e acerca do “inchaço da máquina” – expressões escolhidas a dedo pelo jornal da família Marinho – apenas uma das duas certezas mencionadas acima fica evidente. Os levantamentos feitos pelo jornal O Globo foram, sim, publicados no tempo exato para alvejar a candidatura de Dilma Rousseff (e seus projetos de “controle social” da mídia) no instante mesmo da sua decolagem desde o 4º Congresso do PT, realizado na semana passada em Brasília. Não por acaso a edição de O Globo que saiu no domingo dia 20 de fevereiro trouxe a manchete “Lula privilegia em reajustes a elite do funcionalismo público” ilustrada com uma foto do presidente ao lado de sua candidata no congresso petista sob os dizeres: “Com Dilma, pelo caminho que Lula nos ensinou”.
Por outro lado, o fato é que é verdadeiramente escandaloso, sobretudo para a grande maioria dos funcionários públicos – aqueles que vivem o dia-a-dia do trato com a população nos balcões, repartições, salas de aula, ambulatórios e outros postos de atendimento ao cidadão –, que a discrepância entre o que ganha um procurador do Banco Central recém empossado e um médico que ingressa em um hospital federal ultrapasse os R$ 10 mil, como ressaltou a colunista Regina Alvarez.
Os gordos percentuais dos reajustes sob a gestão Lula para determinadas categorias de funcionários públicos federais mais próximas do poder – de 157% a 281% de aumento para auditores fiscais, servidores da Polícia Federal, do Itamaraty e da Abin – constituem uma verdadeira afronta aos funcionários de carreira com salários para lá de defasados, aqueles do tête-à-tête com aposentados, estudantes, com a população doente etc. Enquanto essa chamada “elite do funcionalismo” ganha em média salários acima daquilo que é pago aos seus colegas da iniciativa privada, os professores com nível superior que trabalham para o Estado ganham atualmente 21% a menos do que a média do mercado.
Cotejados com outros percentuais, como o do aumento de 119% dos gastos com cargos de confiança sob a administração petista, todos estes dados deixam muito claro exatamente aquilo que a ex-ministra e candidata Dilma Rousseff deixou escapar com um inacreditável ato falho, quando, no discurso de lançamento da sua candidatura, prometeu que o PT vai continuar “reaparelhando o Estado”, em vez dizer “reconstruindo o Estado”, como previa o texto da sua fala. Tanto os números quanto o discurso remetem a um Estado brasileiro que segue existindo eminentemente para atender aos interesses não do povo, com seus direitos fundamentais sistematicamente atropelados, mas sim dos grupos políticos que tentam emplacar seus respectivos projetos de poder.
No mesmo dia em que Dilma cometia seu ato falho, o secretário de Gestão Pública do governador tucano José Serra se vangloriava de que na atual gestão do PSDB em São Paulo já foram aprovados “61 projetos de lei de iniciativa do Executivo em benefício específico do funcionalismo público”. Ou talvez em benefício próprio, tendo em vista que a imprensa paulista dá conta de que Serra estuda um novo pacote pró-servidores visando não exatamente a valorização desses profissionais em geral, mas sim evitar o custo político de greves que se anunciam para março.
Escrito por: Hugo Souza
Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/economia/os-numeros-e-o-ato-falho/?ga=ad_&gclid=CNz635HFjaACFYwe7godAEMqeg
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